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Utilização de recursos materiais nas aulas de Educação Física


A atividade de planejar se apresenta na vida de todos. Programa-se o dia, organiza-se a agenda de compromissos, planeja-se uma viagem, a compra de um imóvel, a carreira profissional. Nessas práticas de planejamento, buscamos a concretização de nossos objetivos. Em diversas atividades, é fundamental que o planejamento seja sistemático para tornar-se mais eficiente. Assim, complementamos a imaginação e os planos mentais, colocando no papel tudo aquilo que pretendemos fazer.
Quando nos voltamos para o âmbito escolar, a necessidade de planejar torna-se mais evidente, pois o trabalho pedagógico envolve a elaboração de um "projeto". Para Machado (1997), ao elaborar um projeto definimos todo o caminho que a escola pretende percorrer para atingir seu objetivo. Ao projetar, são propostas também algumas soluções para possíveis problemas futuros, ou seja, há uma antecipação dos acontecimentos. Nesta perspectiva, a palavra "projeto" significa algo lançado para frente, designando tanto aquilo que se quer realizar como o que será feito para atingir tal meta.
Quando nos referimos à educação, palavra associada ao ato de conduzir a finalidades socialmente prefiguradas, presumimos a existência de projetos coletivos. Silva (2000) enfatiza que esses projetos são determinados pela busca da globalidade, com a superação de expectativas pessoais em prol do coletivo, gerando uma responsabilidade mútua entre os participantes. É com o auxílio do projeto que se constrói os planejamentos específicos de cada componente do currículo escolar.
O planejamento educacional envolve um processo de reflexão e decisão, constituído por várias etapas para permitir maior controle e organização dos acontecimentos. Pode tornar-se mais eficiente quando elaborado em conjunto com outros professores, pois evita repetições ou ausência de determinada temática. Além disso, como salienta Vasconcellos (1995), o envolvimento dos alunos tornará o processo de ensino-aprendizagem mais significativo.
A definição dos espaços e materiais que serão utilizados em cada aula, tarefa cotidiana de todos os professores, independente de sua área de conhecimento, constitui uma das etapas do planejamento. Na Educação Física, os recursos materiais merecem uma atenção destacada diante das especificidades existentes. As aulas, normalmente realizadas em ambiente aberto como quadras e pátios, estão sujeitas às variações metereológicas. Essa inconstância, por vezes utilizada para justificar o cancelamento de aulas e atividades, só evidencia a relevância do planejamento ainda mais elaborado, pois nele serão previstas atividades e espaços alternativos, caso haja a impossibilidade da utilização dos meios convencionais, como a quadra.
Ao analisar livros ou propostas pedagógicas existentes na área, percebe-se o destaque atribuído aos recursos materiais. Freire (1997), por exemplo, descreve atividades nas quais a utilização de bolas, arcos, bastões, cordas e até mesmo materiais feitos com garrafas e copos descartáveis, são indispensáveis para proporcionar ao aluno a troca com o meio e atribuição de novos significados ao brinquedo. É importante que esses materiais sejam diversificados quanto ao peso, tipo, cor e tamanho, exigindo do aluno constantes adaptações e ajustamentos de conhecimentos previamente adquiridos. Batista (2003) também exemplifica, na descrição de algumas atividades, a utilização de diversos materiais para trabalhar equilíbrio, habilidades com a bola e atividades em grupo. Venâncio e Carreiro (2005) descrevem atividades como ginástica artística e lutas, nas quais a utilização de materiais é indispensável. Dessa forma, podemos afirmar que o professor terá mais condições para realizar um trabalho de melhor qualidade, se a escola em que atua lhe oferecer espaços e recursos materiais adequados.
Na realidade social brasileira, há uma quantidade grande de escolas, principalmente públicas, que não apresentam espaço físico adequado ou quantidade suficiente de materiais. Segundo Soler (2003), o espaço existente para as aulas de Educação Física, muitas vezes se resume a pátios e salas de aula. Essa má distribuição do espaço físico acontece logo na construção de uma unidade escolar, quando não está entre as prioridades a alocação de espaço próprio para as aulas de Educação Física (BATISTA, 2003). Estas observações podem ser complementadas com dados apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), os quais indicavam que, em 2006, das 159.016 escolas de Ensino Fundamental no Brasil (públicas e particulares), apenas 44.763 possuíam quadra poliesportiva (BRASIL, 2006), o que representava 28% do total, aproximadamente. Comparando com os indicadores de 1999, apresentados por Matos (2005), houve um crescimento no número de estabelecimentos de ensino que possuem quadras. No entanto, o crescimento ainda é insuficiente.
Diante dessa situação, muitos profissionais alegam que sem recursos materiais não há condições para a preparação e aplicação de aulas adequadas (SOLER, 2003) e frequentemente excluem determinadas atividades de seu programa de ensino (FREIRE, 1997). Pelo exposto, ao iniciar as atividades de estágio em escola da rede pública de ensino na cidade de São Paulo, a expectativa existente era de encontrar um ambiente no qual a ausência de recursos materiais fosse marcante. Acreditava-se também que essa situação pudesse ser utilizada pelos professores para justificar a elaboração de aulas menos diversificadas, a negligência de determinados conteúdos, ou mesmo a falta de participação dos alunos nas atividades propostas.
Contudo, a realidade observada causou grande surpresa: havia uma professora que, diante da ausência de materiais, procurava estratégias para superar as dificuldades, utilizando recursos alternativos. A professora confirmava as afirmações de Bento (1998), para quem a falta de estrutura física e material não pode justificar o trabalho pedagógico descompromissado, pois, mesmo em condições relativamente simples, é possível aplicar boas aulas de Educação Física. Seria o comportamento da professora uma exceção?
Ao estabelecer contato com dois outros professores de Educação Física da escola, a pergunta inicial foi respondida: eles também se utilizavam de materiais alternativos nas aulas. No entanto, outras dúvidas surgiram. Qual a origem do comportamento desses professores? Quais os materiais utilizados? Como os materiais são construídos? A utilização de recursos diferenciados resulta de um planejamento coletivo ou parte de iniciativas individuais?
Partindo de todos esses questionamentos, o presente estudo teve como objetivos:
• Compreender como se organiza a utilização de recursos materiais na prática pedagógica da Educação Física, na escola apresentada; e
• Identificar os recursos materiais utilizados pelos professores durante as aulas.
MÉTODOS
A presente pesquisa do tipo descritivo seguiu uma abordagem qualitativa. O modelo adotado foi o estudo de caso, visando obter o máximo de informações e permitir um conhecimento amplo e detalhado de evidências da prática do professor de Educação Física diante das possíveis dificuldades que encontra com a escassez de recursos materiais. Apesar deste tipo de estudo não permitir a generalização dos dados obtidos (GIL, 1999), consideramos adequado para o delineamento da pesquisa, pois a análise dessa realidade específica poderia trazer dados relevantes para o trabalho de outros profissionais da área.
A amostra não probabilística e intencional foi restrita a três professores de uma escola pública estadual de Ensino Fundamental I, localizada no bairro de Perus, São Paulo, tendo população de classe média em algumas regiões e classe média baixa em outras. Para coleta de dados, utilizamos entrevista semi-estruturada, apoiada em roteiro com questões previamente elaboradas e observação assistemática não participante, na qual o registro dos fatos aconteceu de maneira informal e espontânea, sendo o pesquisador um espectador (LAKATOS; MARCONI, 1999).
Antes de iniciar a coleta de dados, uma carta de informação e um termo de consentimento foram entregues ao diretor de escola e aos sujeitos, para que tomassem conhecimento sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa. Eles não só consentiram, como contribuíram prontamente. Na entrevista e na observação, foram usados dispositivos mecânicos, após consentimentos dos professores pesquisados. Durante a entrevista, o recurso do gravador de voz foi indispensável para que nenhuma informação se perdesse, permitindo uma transcrição literal. Na observação, a máquina fotográfica foi utilizada para o registro dos materiais.
As entrevistas foram realizadas na própria escola. Os três professores participantes são concursados, sendo um do sexo feminino, aqui denominado P1 e dois do sexo masculino, respectivamente P2 e P3. O P3 trabalha na escola selecionada há aproximadamente cinco anos, sendo o mais antigo entre os três. O P1 e o P2 ingressaram no mesmo ano e atuam na escola há aproximadamente dois anos. Todos os entrevistados foram bastante receptivos e atenciosos, colocando-se à disposição para outros questionamentos que pudessem surgir depois da entrevista.
Desde o primeiro contato, o entrevistador seguiu as orientações de Lakatos e Marconi (1999), mantendo uma conversa amistosa com o entrevistado, criando um ambiente agradável e que permitisse respostas espontâneas e naturais. Os dados coletados foram estudados, compilados e apresentados com a aplicação da técnica de análise de conteúdo, descrita por Triviños (1987).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As observações aconteceram durante 18 meses, num total de 89 aulas observadas, como se apresenta na Tabela 1. Nela, as aulas estão separadas por professor e por série. Verifica-se também que, em algumas turmas, nenhuma aula foi observada. Isso aconteceu porque P1 não responde por aulas para a 4ª série, P2 para a 3ª série e P3 para a 1ª série. Segundo P1, a divisão das aulas e séries acontece seguindo preferências e disponibilidade de cada professor.
Tabela 1: Aulas observadas, separadas por professor e série.
1ª Série
2ª Série
3ª Série
4ª Série
TOTAL
P1
18
20
26
00
64
P2
03
03
00
05
11
P3
00
02
04
08
14
21
25
30
13
89

Durante a observação, os pesquisadores registraram os materiais utilizados pelos professores, bem como a estratégia de aplicação, enfatizando os materiais alternativos. No Quadro 1, os dados foram separados por professor e agrupados por série, de acordo com o objetivo da atividade. Nesse quadro, os materiais alternativos aparecem em negrito.
Série
Atividade / Objetivo
Materiais
P1
Fantasia
Dramatização
Dança
aparelho de som / cd´s / fitas cassete
Manipulação
Locomoção
Equilíbrio
lenço / saquinho de areia
Jogos bexiga / dama / corda / colete / saquinho de areia / bola de meia / garrafas pet / bola de borracha / bola grande de e.v.a. / lençol
Brincadeiras aparelho de som / arco / saquinhos de areia / bola de meia / coletes/ bola de borracha / lenço / garrafa pet / corda / vai-e-vem / bexiga / saco de estopa /
Fantasia
Dramatização
Dança
aparelho de som  / cd´s / fitas cassete
Manipulação
Locomoção
Equilíbrio
colchonete
Jogos colete / bola de borracha / placa de E.V.A. / saquinho de areia / bola de meia / garrafa pet / damas
Brincadeiras bolinha de gude / perna de pau / pé de lata / raquetes de tênis, frescobol, plástico e cabide / bolinhas de tênis e frescobol / corda / bexiga
Esporte bola de basquete / colete / cadeira / cone
Fantasia
Dramatização
Dança
aparelho de som / cd´s / fitas cassete
Manipulação
Locomoção
Equilíbrio
lenço
Jogos placas de E.V.A. / garrafa pet / bola de borracha / saquinhos de areia / bola de meia / colete / corda / dominó / damas
Brincadeiras perna de pau / pé de lata / corda / bolinha de gude
Esporte bola de basquete / colete / cadeira / bola grande de E.V.A. / lençol
P2
Manipulação
Locomoção
Equilíbrio
minitrampolim / pneus / arcos / colchonetes pequenos / barreirinhas / bolinhas de tênis / minigols / traves de equilíbrio / colchão oficial de ginástica artística / lousa e giz / atlas do corpo humano (esquelético e muscular).
Brincadeiras pneu  / colchão / corda
Manipulação
Locomoção
Equilíbrio
skate / bicicleta
Jogos freesby / raquete de frescobol / bola de tênis / cone / colete / bola de futebol / bola de vôlei (praia) / bola de basquete.
P3
Brincadeiras colete / bola de basquete
Esporte colete / bola de vôlei (praia) / bola de basquete
Esporte colete / cone / bola de basquete / bola de vôlei (praia) / bola de futebol / arcos
Quadro 1: Materiais utilizados nas aulas de acordo com o objetivo das atividades
Para classificar o que seria considerado material alternativo, foram seguidos dois critérios:
• Construção e adaptação de equipamentos a partir de materiais recicláveis ou de baixo custo financeiro, para substituir outro material (oficial): O P2, utilizou pneus para substituir arcos ou como obstáculos para a realização de determinadas atividades. Além disso, empregou materiais por ele construídos, como o minitrampolim, a barreirinha e a trave de equilíbrio que fizeram parte de diferentes circuitos no decorrer das aulas. O minigol foi utilizado em jogo, no qual as crianças deveriam acertar o alvo, rolando bolinhas de tênis pelo chão. O P1 usou garrafas pet para a construção do vai-e-vem e para substituir os pinos no jogo de boliche e de tiro ao alvo. As bolas de meia serviram como "munição" nesta última atividade. Os saquinhos de areia auxiliaram no trabalho de força, coordenação e em atividades como o jogo da velha humano e a amarelinha. Corrida de saco com saco de estopa, vôlei cooperativo com lençol e bola de E.V.A. e "Base 4" com as placas de E.V.A., também fizeram parte do hall de atividades deste professor. Para as atividades "pega o rabo" e sensoriais ("estou em suas mãos" = olhos vendados), foram utilizados lenços ou tiras de tecido e, nas aulas livres, além de alguns materiais já descritos, apareceram também perna de pau, pé de lata e raquetes feitas com cabide de roupas (metal) e meia fina.
• Adaptação de outros materiais oficiais e/ou disponíveis na escola: O P1 utilizou a cadeira como "cesta" no jogo de basquete, no qual um aluno ficava em pé sobre a cadeira (localizada abaixo da cesta oficial – quebrada) e ao receber a bola de basquete,sem deixá-la cair, a equipe marcava ponto. Outra adaptação foi feita pelo P3, que utilizou a bola de vôlei (praia) no jogo de handebol.
Das 89 aulas observadas, em 35 foi utilizado material alternativo; em 40, material oficial e, em apenas 14, não houve a manipulação de qualquer tipo de material. Estas 14 aulas foram aplicadas por P1, nas quais propôs brincadeiras cantadas e outras atividades, utilizando o próprio corpo do aluno para atingir o objetivo da aula, como proposto por Soler (2003).
Percebemos maior frequência na utilização de materiais alternativos nas séries iniciais do Ensino Fundamental, talvez por existir, nesse período, maior preocupação com a diversidade de materiais no auxílio ao desenvolvimento da criança, como afirmam Batista (2003), Freire (1997), Soler (2003) e Santos (2004). Os autores ressaltam a necessidade de oferecer à criança, nessa faixa etária, oportunidade para manipular diferentes objetos e transformar as experiências em símbolos, além de proporcionar uma aula mais atraente para o aluno. É importante lembrar também que a presença de material alternativo apresentada acima, não impede o uso de outros materiais oficiais, como é o caso do P2 que utilizou bolas, raquetes, freesby, entre outros.
Para obter mais detalhes sobre a utilização dos materiais alternativos, realizou-se entrevista com os três professores. Ao iniciar a entrevista perguntou-se se eles acreditavam que os recursos materiais existentes na escola eram suficientes e estavam em bom estado. Todos eles responderam negativamente, confirmando afirmação de Soler (2003), para quem as escolas públicas raramente apresentam espaço e material adequado para as aulas de Educação Física. Além do P2 enfatizar que "falta material, e os materiais que tem, alguns estão assim… é…danificados", P1 e P3 disseram que a compra de materiais para as aulas de Educação Física não é uma prioridade para a escola.
Na segunda questão, os entrevistados deveriam dizer se utilizam materiais alternativos em suas aulas. Novamente houve uma unanimidade na resposta. Todos disseram que já utilizaram e continuam utilizando materiais alternativos. P1 afirma que compra alguns materiais e, como também trabalha em outra escola, troca equipamentos entre elas. P3 complementa, dizendo: "são vários brinquedos que a gente mesmo produz pra substituir aqueles que a gente não tem". Porém, estes materiais construídos não foram utilizados durante a observação das aulas deste último professor.
Todos os recursos apresentados foram construídos a partir de materiais baratos ou recicláveis (sucata), comprovando afirmações de Freire (1997), Soler (2003), Santos (2004), Batista (2003) e Venâncio e Carreiro (2005). Enquanto P1 e P3 apenas citaram os materiais, P2 explicou como foi a construção, bem como a finalidade de seu uso. Além disso, mostrou todos os materiais por ele citados, já que o acesso a eles estava facilitado, pois a entrevista foi realizada na sala de materiais.
Os professores identificaram os meios de pesquisa utilizados para criar os materiais citados anteriormente. Percebe-se que a troca de ideias com outros profissionais e o uso da própria criatividade para criar materiais que atendam às suas necessidades de conteúdo foram citadas por todos os professores. Soler (2003) enfatiza que essa criatividade é importante para a construção de mais materiais a cada aula, pois a variedade torna o aprendizado da criança mais agradável. A unanimidade também se confere à atualização em cursos e seminários, pois P1 participa de cursos de orientações técnicas, P2 participou de seminário em Universidade pública e o P3 participa de grupo de estudos da diretoria de ensino, como destacado anteriormente. Confirma-se assim, a importância da formação continuada na intervenção docente (FILGUEIRAS, 2007).
É interessante destacar que a televisão tem influência sobre alguns professores para a criação de estratégias de aula e materiais alternativos. P1 afirma que se inspirou em programas de TV para criar jogos, como o chamado "futebol intelectual", uma alternativa para os dias de chuva, sendo um jogo de perguntas e respostas. Já o P3 se inspira em programas do canal educativo.
Os três professores declaram que não obtiveram qualquer auxílio para confeccionar os materiais utilizados. Porém, aos poucos aparecem, no discurso deles, informações que contradizem parcialmente esta resposta. Por exemplo, P1 declara obter auxílio de alguns professores da escola, pois eles permitiram a utilização de materiais que não mais necessitavam, principalmente a professora de Artes, como fica evidente na frase: "[...] então você faz uns garimpos em algum lugar e você acha o que não estão usando mais, aí você pega".
O envolvimento dos alunos na construção dos materiais é relatado pelo P2, sendo que a participação se resumiu à confecção de uma fita adaptada. Os outros materiais, ele explica que construiu sozinho, pois como utiliza "martelo, serrote, prego […]", tem receio que os alunos se machuquem. Por sua vez, P3 afirma que, em 2006, os alunos ajudaram na elaboração do pé de lata, raquete e bilboquê, com materiais que eles próprios trouxeram. E a percepção que o professor teve com essa prática foi que: "[...] quando eles fazem, eles dão mais valor, quando você traz, a maioria deles não dá tanto valor, porque não é uma coisa deles".
Assim, esse professor confirma o que já haviam afirmado Freire (1997), Venâncio e Carreiro (2005) sobre a importância da participação dos alunos, tanto no planejamento, quanto nas atividades e construção de materiais. Mas, além de estimular a construção desse valor destacado por P3, o envolvimento dos alunos na produção dos materiais a serem utilizados nas aulas pode ainda ser uma estratégia para a discussão de outros temas, como as mudanças ambientais e a necessidade de reciclagem do lixo produzido.
Considerando ainda que a Educação Física escolar deve ter como objetivo a preparação dos alunos para a utilização autônoma de seu potencial motor (FREIRE; MARIZ DE OLIVEIRA, 2004), confeccionar material durante as aulas é um recurso para que eles compreendam a necessidade de adaptação do ambiente para a realização da prática motora adequada às suas características e que, em seu percurso escolar, sejam capacitados para criar equipamentos alternativos, respeitando suas possibilidades e potencialidades.
Perguntou-se aos professores se a cultura de construção de materiais foi iniciada por eles ou se já existia antes de ingressarem na escola. Com base no ano de admissão dos professores, percebe-se que há uma certa discrepância nas respostas, já que os professores que iniciaram em 2006 (três anos depois do P3), deram respostas divergentes. Enquanto P3 afirma que construiu essa cultura na escola, P2 afirma: "Nós não tínhamos nem pneu aqui".
A incerteza quanto ao uso de materiais alternativos por outros professores pode remeter à hipótese de que a resposta mais fidedigna seja a do P1, ressaltando a ideia de que o P3, ao ingressar junto com os professores na época, criou essa cultura de construção de materiais, que existe até hoje. De qualquer forma, a incerteza é indício de que eles não conhecem bem o trabalho realizado pelos colegas.
Eles afirmam também que iniciaram a construção de materiais antes de ingressarem na escola investigada. Com isso, anula-se a hipótese de que a cultura de construção de materiais tenha sido transmitida de um professor para o outro dentro dessa escola, pois eles já traziam consigo essa prática. No entanto, é possível que a convivência entre eles tenha alguma influência, pois todos afirmam que se baseiam também em experiências de outros professores para elaborar seus materiais, como apresentado anteriormente.
Os professores foram questionados sobre o que motivou a construção do primeiro material alternativo. A falta de materiais disponíveis foi citada por todos os entrevistados. P3 acrescenta outros motivos, como as condições precárias dos materiais e o grande número de alunos. P1 explica que o problema nem sempre é a carência de material. Exemplifica ao afirmar ter trabalhado em escola privada que contava com bom número de equipamentos, mas que muitos deles eram inadequados às características dos estudantes das séries iniciais do Ensino Fundamental. P2 destaca ainda a necessidade de levar aos alunos estímulos diversificados.
Percebe-se então que, para esses professores, a origem da prática de construção de materiais alternativos foi a necessidade de encontrar instrumentos para realizar seu trabalho. Entretanto, essa necessidade se apresenta a inúmeros professores de Educação Física, que também enfrentam a falta de recursos materiais apropriados para suas aulas, mas que não adotam as atitudes apresentadas pelos sujeitos desta pesquisa.
Assim, esse não pode ser o único motivo para explicar os resultados verificados no estudo. Acredita-se que a principal motivação dos professores entrevistados seja o comprometimento com seu trabalho e com a formação continuada. O compromisso com a realização de um trabalho de qualidade pode ser percebido no discurso do P2, apresentado abaixo:
O ponto positivo foi poder ver as crianças desenvolverem uma habilidade de equilíbrio, de uma forma que elas não estavam habituadas a fazer. Uma coisa é pintar uma linha no chão e pedir para ela andar em cima, e outra coisa é você fazer em cima da trave, com uma distância do chão. Então nesse ponto, deu pra ver a evolução, as crianças conseguiram desenvolver um pouquinho mais essa habilidade.
Já o compromisso com a formação continuada é percebido quando se verifica que, como apresentado anteriormente, os três participam de cursos ou grupos de estudo e valorizam a busca de novos conhecimentos. Identificam-se assim algumas competências que caracterizam o professor bem sucedido, apresentadas por Galvão (2002).
Quando questionados sobre a inserção dos recursos materiais no planejamento de ensino, os professores enfatizam que há um plano geral, no qual são definidos temas e eventos comuns. Porém, a previsão dos materiais a serem construídos ou utilizados não aparece nesse planejamento, nem nos planos de aula de cada professor. Percebe-se que a elaboração das aulas e a utilização dos recursos materiais são pouco influenciadas pelo coletivo, partindo das iniciativas individuais. Parece que o planejamento elaborado no início do ano serve apenas para cumprir uma etapa burocrática, confirmando afirmações de Vasconcellos (1995).
Para P1, a falta de material pode impedir o tratamento de alguns conteúdos durante as aulas. Ele afirma que deixou de abordar determinados temas e precisou improvisar em diversos momentos por não poder utilizar o espaço mais adequado. Já P2 e P3 acreditam que é possível abordar todas as temáticas. Contudo, P2 salienta que, em algumas situações, é necessário reorganizar o planejamento e cita um exemplo: "ano passado, eu tive que trabalhar com ritmo, dança e a escola tem pouco aparelho de som disponível, e aí eu não tenho na minha casa e tive que esperar a professora terminar de usar".
Encerrando a entrevista, constata-se que os professores reconhecem a necessidade da variabilidade de materiais para a faixa etária em que estão trabalhando e que, embora não acreditem contar com recursos financeiros e nem com a devida valorização de seu trabalho por parte dos gestores da escola, não se incomodam em construir os materiais. Entendem que essa construção facilita o seu trabalho e ainda auxilia no desenvolvimento das potencialidades da criança. Também têm consciência de que essa prática, com o objetivo de suprir a escassez de materiais, não deve ser prolongada, já que o poder público deve fornecer verba para a compra de materiais e a direção da escola precisa distribuir igualmente os recursos financeiros existentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo de caso foi realizado com os objetivos de compreender como se organiza a utilização de recursos materiais na prática pedagógica da Educação Física e identificar os recursos materiais utilizados pelos professores durante suas aulas. Foi possível verificar que os professores criam e utilizam materiais alternativos como estratégia para solucionar, mesmo que momentaneamente, o problema da escassez de recursos materiais. Os materiais alternativos apresentados surgiram de ideias próprias, em cursos, seminários e grupo de estudo sobre o assunto, programas de TV e da troca de experiências com outros professores. Os professores raramente envolvem os alunos na construção desse material.
A utilização de materiais alternativos foi justificada pela ausência, falta de diversidade ou reduzida quantidade de materiais para as aulas de Educação Física, colocando em evidência a preocupação dos professores em garantir uma aula com estímulos variados. Porém, os materiais que utilizarão no decorrer do ano não aparecem no planejamento geral, que é feito em conjunto entre os professores e nem na elaboração individual das aulas, dando indícios de que esse planejamento seja feito de forma burocrática.
Como essa prática não é respaldada por um projeto coletivo e sim por iniciativas individuais, levanta-se a hipótese de que a construção de materiais seja uma tendência atual entre os professores. Outra hipótese levantada é que, nas séries atendidas, a maior necessidade de estímulos variados estimula o professor a utilizar materiais alternativos. Assim, espera-se que outros estudos possam ser realizados para que essas hipóteses sejam comprovadas ou refutadas.
O caso investigado apresenta resultados interessantes, à medida que eles se distinguem da realidade geralmente esperada para a Educação Física, na qual grande parte dos professores, ao enfrentar a ausência de recursos materiais, se deixa limitar pela situação e exclui de sua intervenção determinados temas. Esta realidade é retratada nos trabalhos de Soler (2003) e Freire (1997). Exemplos como os aqui apresentados são relevantes, evidenciando que transformações têm acontecido na área. Muito ainda precisa ser transformado, sendo que a análise de realidades específicas e os relatos de experiências bem sucedidas podem contribuir para a disseminação de novas práticas pedagógicas.
NOTAS
*Universidade Presbiteriana Mackenzie, Barueri, São Paulo, Brasil
**Universidade Presbiteriana Mackenzie, Barueri, São Paulo, Brasil
THE USE OF ALTERNATIVE MATERIALS IN PHYSICAL EDUCATION CLASSES: A CASE STUDY
ABSTRACT
The lack of material resources is a big problem to physical education teacher's of public education. The goal of this study was to understand how the use of material resources is organized in the pedagogical practices of physical education and to identify the material resources used by the teachers. In this case study we interviewed and observed the classes of 03 teachers from the same school. The 3 teachers use the construction of alternative materials to solve the problem of shortage of material resources, results that reflect a unusual reality, suggesting changes in the teacher intervention.
KEYWORDS: school physical education; alternative material resources; educational planning.
LA UTILIZACIÓN DE MATERIALES ALTERNATIVOS EN CLASES DE EDUCACIÓN FÍSICA: UN ESTUDIO DE CASO
RESUMEN
La falta de recursos materiales es un problema importante que enfrentan los profesores de educación física en el sistema de escuelas públicas. El objetivo de este estudio fue comprender la organización y el uso de recursos materiales en las clases de educación física e identificar los recursos materiales utilizados por los docentes. En este estudio de caso, se entrevistó y observó 03 profesores de la misma escuela. Los 3 profesores de la construcción el uso de materiales alternativos para resolver el problema de la escasez de recursos materiales, los resultados que reflejan una realidad inusual, lo que sugiere cambios en la intervención docente.
PALABRAS-CLAVE: ensino de la educación física; materiales alternativos; planificación.
REFERÊNCIAS
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GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1999.
MACHADO, N. J. Sobre a idéia de projeto. In: ______. Ensaios transversais: cidadania e educação. São Paulo: Escrituras, 1997. p.63-78.
MATOS, M. da C. A organização espacial escolar e as aulas de Educação Física. Monografia (Graduação em Educação Física) Centro de Ciências da Saúde- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2005.
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SILVA, A. C. B. Projeto pedagógico: instrumento de gestão de mudança. Belém: Unama, 2000.
SOLER, R. Educação Física escolar. Rio de Janeiro: Sprint, 2003.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VENÂNCIO, L.; CARREIRO, E. A. Ginástica. In: DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. (Orgs.). Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p. 227-243.
VASCONCELLOS, C. dos S. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico. 16. ed. São Paulo: Libertad, 1995.
Autoras:
Luciane Lima Sebastião*
Elisabete dos Santos Freire**


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